Quando estamos em Tiradentes, ficamos tão deslumbrados pelo arcabouço histórico de seus casarios e igrejas que por vezes deixamos de lado os valiosos objetos artísticos guardados em relevantes museus. Os viajantes que chegam à cidade geralmente se informam sobre a exuberância dos detalhes bem preservados de seu casario colonial, entretanto desconhecem os festivais e os museus que ela abriga, alguns raros e de temática incomum, como o Museu da Nostalgia dos Anos 80.

Se você não conhece Tiradentes (clicar para ir ao mapa de sua localização), tentarei fazer com que se apaixone também por toda essa riqueza cultural escondida de nossos olhos.

Tiradentes, a serra de São José e um lindo arco-íris. Foto: @thiagop.photo.

Mas, antes de apresentar alguns desses museus de Tiradentes, poderei ser redundante, mas quero que saiba que adoro Minas Gerais em vários aspectos: a simplicidade dos mineiros, a gentileza de amigos, a ótima gastronomia, os recantos perdidos por entre os mares de morros, as belas cidades coloniais, as cahoeiras de água cristalina, o céu claro com estrelas cintilantes, o gostoso sotaque do povo, o artesanato em tecidos multicoloridos e muito mais. Quando me deixo levar pelas estradas de Minas Gerais, a alma chega por inteiro a qualquer canto, mas na cidade de Tiradentes deixei meu coração. Vou tentar fazer o mesmo com você. Vamos?

Rua Padre Toledo. A primeira casa à esquerda foi moradia do compositor Custódio Mesquita, que morreu em 1945.

1 – Museu da Nostalgia dos Anos 80

Vitrines com as miniaturas do Museu da Nostalgia dos Anos 80.

O primeiro museu de Tiradentes que vamos visitar é aquele que supõe ser o mais raro, e talvez por esse motivo pareça ser o mais interessante, principalmente para os que viveram os anos 80. Inaugurado em 2019, o acervo do Museu da Nostalgia dos Anos 80 é formado por objetos que foram guardados pelos donos, desde sua infância e adolescência. A coleção ultrapassa 4 mil itens entre miniaturas, quebra-cabeças, jogos de tabuleiro, antigos aparelhos de video-games, centenas de brinquedos, telefones etc. Não tive o prazer de conhecê-lo, pois a última vez que estive em Tiradentes foi em 2016. O museu se localiza na rua João de Siqueira Afonso, 408 – Parque dos Bandeirantes – (34) 98863-0414. Para compreender  o sucesso do museu, consegui destacar a seguinte opinião na internet: 

“Museu excepcional. Para aqueles quarentões, cinquentões e sessentões é uma viagem à infância. Acervo muito bem cuidado. Tiago e Lilian, curadores e anfitriões, dominam muito sobre as peças, sendo muitas delas de sua infância e juventude. Passagem obrigatória a todos que visitarem Tiradentes”. (Comentário no site: https://www.google.com.br/maps, expressado por Leandro Queiroz).

O acervo do Museu da Nostalgia dos Anos 80 conta com essa linda coleção de carros em miniaturas. Eu tive um fusca.

2 – Museu Padre Toledo

Casa do Padre Toledo, onde hoje é o Museu Padre Toledo.

O solar conhecido como Casa do Padre Toledo (clicar para ir ao mapa de sua localização), onde hoje é o museu, é um dos bens culturais mais preciosos de Tiradentes. Entre os anos de 1777 e 1789 (séc. XVIII), a casa serviu como residência do padre inconfidente Carlos Correia de Toledo e Melo, o padre Toledo. Sua moradia era bastante frequentada pelos ilustres moradores locais e, por receber muitas visitas, era mantida por escravos, dentre eles Leandro Angola, cozinheiro, e dois músicos: José Mina, que tocava trompa, e Antônio Angola, que tocava rabecão, que divertiam os visitantes. O padre tinha muitas outras posses, como, por exemplo, uma fazenda com uma casa grande, muitos escravos, plantações de milho e feijão e uma área de mineração no Arraial da Laje, atualmente município de Resende Costa. Padre Toledo foi um dos líderes e pensadores do grupo dos inconfidentes e teve ação destacada na Conjuração. Segundo tradição oral, os conjurados se reuniam na sua casa, onde, no salão, havia um altar diante do qual todos os participantes juravam fidelidade à causa.

Salão interno da Casa do Padre Toledo.

A Casa do Padre Toledo, em Tiradentes, era considerada uma das melhores da época, com tetos decorados, em estilo rococó, com temas mitológicos, flores e ramos. Num dos cômodos vê-se um teto lindamente pintado com o tema dos “Cinco Sentidos”, representando o olfato, o paladar, o tato, a audição e a visão. O mobiliário era igualmente de qualidade, assim como a prataria, quadros, louças de Lisboa e da Índia e uma valiosa e extensa coleção de livros.

Na Casa do Padre Toledo, um teto lindamente pintado com o tema dos “Cinco Sentidos”. Foto: Roberto Melges.
Detalhe do teto dos “Cinco Sentidos”, onde se destaca o olfato. Foto: Roberto Melges.

Uma curiosidade é a pintura do quarto do padre, que é o único cômodo que só pode ser visto da porta. Segundo profissionais especialistas em reformas, durante o processo da última restauração, em 2012, foram descobertas pinturas no forro e nas paredes. Para não atrasar a abertura do museu, isolaram o cômodo, que aos poucos deverá sofrer uma nova restauração. Porém, é possível ver bem a pintura do forro: trata-se de um casal numa cena romântica e um cordeiro com um ramo de flores. O estranho e inusitado é que a pintura foi encontrada no cômodo que se supunha ser o quarto do padre.

A pintura de um casal em cena romântica, no teto do quarto do padre Toledo, é inusitada por ser um pouco erotizada. Foto: Roberto Melges.
Na fachada da Casa do Padre Toledo, as janelas são de guilhotina com ombreiras e vergas curvas em pedra-sabão e emolduradas com filete. Foto: Roberto Melges.
Dessa janela de guilhotina em madeira, vemos a estátua de Tiradentes, que fica no Largo do Sol. Foto: Roberto Melges.

Após o fracasso da Inconfidência Mineira, o padre Toledo fugiu e se escondeu na serra de São José, entretanto foi capturado e deportado para um longo exílio em Lisboa, onde ficou preso na Fortaleza de São Julião da Barra e depois aprisionado num convento de clausura dos franciscanos, onde veio a morrer em 1803.

3 – Museu de Sant’Ana

Esse museu vai muito além do acervo de imagens de Sant’Ana, já que conta também um pouco da história da cidade, pois se localiza na antiga Cadeia Pública (clicar para ir ao mapa de sua localização) de Tiradentes. O prédio foi construído por volta de 1730, mas em 1829 foi atingido por um incêndio, tendo sido restaurado em 1835, conservando a estrutura, os portais e as janelas com grades de ferro originais, que mantêm uma distância simétrica na distribuição de suas aberturas. No entanto, a fachada foi reconstruída segundo os padrões neoclássicos que predominavam nos prédios públicos do século XIX.

O Museu de Sant’Ana, hoje ocupando o prédio que foi a Cadeia Pública de Tiradentes.

O prédio resguarda uma surpreendente arquitetura, pois possui antigos calabouços e ainda preserva quatro grandes cômodos, dispostos dois a dois, perpassados por um corredor central. Em cada uma das salas ainda se encontra uma porta dupla, a primeira de madeira maciça e a segunda em grades de ferro, confirmando terem sido utilizadas como celas na época da Cadeia de Tiradentes.

O Museu de Sant’Ana foi inaugurado em setembro de 2014 e é composto por mais de duzentas imagens da santa protetora dos lares e da família, bem como dos mineradores, que foi mãe de Maria de Nazaré. São obras brasileiras, de várias regiões do país, eruditas e populares, dos mais variados estilos e técnicas, produzidas, em sua maioria, por artistas anônimos, entre os séculos XVII e XIX. A edificação situa-se na esquina das ruas Direita e da Cadeia, em frente ao largo do Rosário.

Acervo de imagens de Sant’Ana, santa protetora dos lares e dos mineradores.
Bela imagem do prédio que foi a Cadeia Pública de Tiradentes, hoje o Museu de Sant’Ana. Foto: Waldir Neto.

4 – Museu da Liturgia

Comenta-se que o Museu da Liturgia é o primeiro e único dedicado ao tema. Não tenho como confirmar essa informação, mas sempre é uma visita interessante, principalmente para os aficionados em arte sacra. São mais de quatrocentos objetos ligados à liturgia católica, como imagens, votos, pinturas, esculturas e afins, que foram, e às vezes ainda são, utilizados nas tradicionais procissões das diversas festas religiosas de Tiradentes. O museu ocupa uma casa paroquial da Igreja Matriz de Santo Antônio, construída em meados do século XVIII. A restauração do conjunto arquitetônico e do acervo do Museu da Liturgia ocorreu em 2011, com o apoio do BNDES, durante o governo do ex-presidente Lula.

O prédio com detalhes em azul, à esquerda, é o Museu da Liturgia de Tiradentes, na rua Jogo da Bola, nº 15. Foto: Monique Renne.
À esquerda, após o Passo da Paixão, o Atelier e Galeria de Arte de Sergio Ramos, que fica próximo do Museu da Liturgia.
Ver Tiradentes das janelas é algo fantástico, os registros alcançados são incríveis. Foto desde a janela do Atelier e Galeria de Arte de Sergio Ramos.

Eu sou apaixonado por Tiradentes, que, sem hesitação, faz parte dos locais mais charmosos do Brasil e que merece ser visitada. Sempre me lembro de momentos interessantes que já vivi ao visitar esse lugar bucólico e ingênuo, com tudo muito simples e, ao mesmo tempo, sofisticado. Tiradentes tem muita riqueza cultural, religiosa e popular, é uma cidade com excelente gastronomia, festivais inigualáveis, casarios com lindos beirais, fontes, mirantes, capelas, igrejas barrocas e muita história. Tudo isso espera por você.

A rua Padre Toledo vista a partir da mureta da Igreja Matriz de Santo Antônio.
Rua Direita, com a serra de São José ao fundo.
A rua Direita ao anoitecer, num ângulo muito semelhante ao da foto anterior.

5 – Museu do Automóvel da Estrada Real

A última vez que estive em Tiradentes foi no Carnaval de 2016. Optei por alugar um carro  em São João del Rei, e Bichinho (clicar para ir ao mapa de sua localização) tornou-se uma visita prioritária, um distrito distinto de muitos lugares que já conheci, pois mantém aquele ar de roça mesclado com a qualidade da produção de seus artesãos que, em suas moradias transformadas em ateliês, expõem trabalhos muito representativos. Esses objetos artesanais não se comparam, em hipótese alguma, com os adornos encontrados em muitos locais turísticos. Se você não conhece Bichinho, já está tarde. Mas estou descrevendo esse fato porque na parte da Estrada Real que vai para Bichinho encontra-se o Museu do Automóvel

Então, a meio caminho entre Tiradentes e Bichinho, você encontra esse raro museu, com um rico acervo composto por carros raros e reformados, sendo uma  atração, principalmente para os que têm paixão desenfreada por carros antigos. Muitos carros são reformados por lá mesmo, em uma oficina que fica ao fundo do museu, e são disponibilizados para aluguéis em eventos, filmes, séries  etc.

Entrada do Museu do Automóvel, da Estrada Real, com uma linda jardineira de 1935.
A jardineira de 1935 é uma atração para passeios turísticos por Tiradentes.

Uma das grandes atrações do Museu do Automóvel é a jardineira de 1935, que há alguns anos faz passeios noturnos por Tiradentes. O passeio dura 2 horas e é recheado de muitos causos que são contados para os turistas que visitam a cidade. https://www.instagram.com/passeiosjardineira/.

Salão do Museu do Automóvel, da Estrada Real.
Tiradentes é um dos locais mais charmosos do Brasil, muito simples e, ao mesmo tempo, sofisticado. Entende?

Tiradentes tem muito a oferecer aos visitantes, com atividades organizadas para o ano inteiro, como  vários festivais, com destaque para o de cinema, em janeiro; o de fotografia, em março; o de congadas, em julho; o gastronômico, em agosto; e o de artes, em setembro. Não se esqueça da força das festas religiosas, como a da Páscoa, além de novidades organizadas pelo projeto “Tiradentes Mais”, com caminhadas noturnas com contação de causos de assombração, um roteiro por pontos na cidade com o objetivo de recontar a história dos negros escravizados e mais recentemente o retorno da Missa Negra, que ocorre no Dia da Conciência Negra, em 20 de novembro.

O chafariz de São José, lugar que marca os maltratos contra os negros. Foto: Luciana Procópio.

A Igreja de Nossa Senhora do Rosário (clicar para ir ao mapa de sua localização) foi construída pelos negros e destinada a eles, entretanto nem todos os lugares dessa cidade colonial eram liberados para essa população. “O chafariz de São José é um lugar que marca muito pela questão de onde os negros foram judiados e maltratados, onde eram violentados”, conta Ana Carolina Barbosa, dirigente do “Tiradentes Mais”. Uma lei punia quem utilizasse o chafariz de forma inadequada. Para os negros que eram encontrados amolando machados, foices e facas nas pedras do tanque do chafariz, a pena era o açoite ou a reclusão. Hoje, mais raro, é possível ainda ver desgastes causados nesse belo chafariz por essa prática.

Mural de fotos de Tiradentes..

Rua Direita, um eixo central de Tiradentes. Foto: Luciana Procópio.
Bela casa no distrito de Bichinho, local onde se encontra artesanato sofisticado.
Restaurtante Ora Pro Nobis, próximo ao chafariz São José.
Descida da rua da Câmara, onde à esquerda se localiza a Câmara Municipal de Tiradentes.
Lindo casarão ocupado atualmente pela pousada Richard Rothe, na rua Pedro Toledo, nº 124.

Esse é o segundo post sobre Tiradentes, e conforme escrevo vou me entusiamando e me alongando um pouco. Entretanto, sinto que deixei de descrever outras experiências que vivi nessa cidade colonial, e por isso talvez faça mais um, destacando os lindos casarios coloniais, indicando restaurantes  e comentando um pouco mais sobre o meu carinho pelo distrito de Bichinho, que é conhecido pela qualidade do artesanato, destacando o famoso “Divino Espírito Santo”.

Espero que tenha gostado de conhecer sobre Tiradentes, uma cidade colonial bem preservada e repleta de memórias e histórias de Minas Gerais e do Brasil. Foi essencial que tenham ocorrido em Tiradentes, como sabemos, reuniões secretas com o propósito de clamar por liberdade contra o jugo do colonizador português. Tiradentes é daqueles territórios que me arrebata e sempre desejo voltar, pois vejo que ainda existe muito o que desfrutar. Vamos?

Foto de destaque retirada de @thiagop.photo.

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15 thoughts on “Tiradentes – simplicidade e sofisticação.”

  1. Eu já tive a oportunidade de conhecer a cidade e , como não é nenhuma surpresa, me encantei com seus encantos. Não vejo a hora de retornar e aproveitar de sua simplicidade e acolhimento.

    1. Edna, eu adoro Tiradentes e na última vez que lá estive fiquei por 5 dias, logo pude conhecer melhor a cidade. Fico sim encantado por cada pedacinho de Tiradentes. Obrigado por seu comentário….

  2. Que texto lindo e fotos mais que incríveis. Quem conhece Tiradentes sabe o lugar incrível que é!!!!
    Parabéns pela postagem!!
    Juliana Knackfuss

  3. Deslumbrante essa descrição de Tiradentes. Sensível e mágica. Nos dá vontade, ainda que pensávamos conhecê-la, de partir agora pra lá, tamanho é o encantamento desse passeio pelas palavras. Passeio que nos seduz, como são todos os roteiros de Ronaldo.

    1. Amigo Bruno. Obrigado por ter lido o meu post e ter gostado. Sei que você conhece bem o blog, mas tem outro post de Tiradentes. Navegue a partir da barra em Brasil.

  4. Fiquei encantado com a cidade!
    Fotos muito bonitas, uma cidade cheia de História e certamente cheia de estórias para contar!
    Parabéns!
    Seguindo o blog através do meu blog! ^^

  5. @mei!
    Relembrei momentos únicos e solitários que vivi em Tiradentes, quando da minha visita , em julho de 2021.
    Sim, exatamente como é descrita, Tiradentes é aconchegante, carinhosa, uma cidade mágica. E deixa saudades! Eu voltaria com certeza!

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