Ao fazer o planejamento de uma viagem, sempre acho de vital importância conhecer um pouco da história do lugar. E assim não foi diferente quando fiz uma última viagem pela linda Espanha. Sei muito bem que esse país é carregado de fatos históricos que reverberam não somente internamente como também pelo mundo. O que eu não sabia, e tampouco imaginava, era que num só lugar a história se fez de tal forma tão forte que acabou mesmo se espalhando de Sos del Rey Católico para o país e depois para o mundo.
Um grande professor de Geografia apaixonado pela Espanha me indicou vilas e cidades imperdíveis para o meu trajeto. Algumas indicações eu aproveitei, entretanto, ele não havia me indicado Sos del Rey Católico, que conheci a partir de um blog de viagem. Fui pesquisar um pouco mais sobre a cidade e logo me decidi que Sos, como é carinhosamente conhecida, entraria no meu roteiro.
Foto do site: https://www.turismodearagon.com/ficha/sos-del-rey-catolico/.
Foi assim que me apaixonei aos poucos por Sos, com a estrutura e o sabor de vila medieval, as vielas e caminhos estreitos onde é proibido o tráfego de carros, o belo conjunto arquitetônico, as portas da fortificação medieval, a igreja do séc. XI e principalmente pelo ar carregado de história da Espanha. E não pude me desvencilhar de um pensamento: será que encontrarei com personagens históricos da época medieval caminhando por suas vielas à noite? Então, de forma objetiva, quis conhecer Sos.
Antes de relatar momentos históricos importantes, cabe destacar que a cidade de Sos, mesmo com toda a pujança do passado, tem sofrido um declínio demográfico bastante acentuado, pois eram 3.647 habitantes em 1900; 3.393 em 1930; 2.725 em 1950; 1.097 em 1979; e 662 em 2010, mesmo agregando a população rural dos núcleos adicionados ao seu município. Em 2019, a cidade de Sos possuía apenas 590 habitantes, segundo dados do site: https://es.wikipedia.org/wiki/Sos_del_Rey Católico.
Sos del Rey Católico está localizada no extremo noroeste da comunidade de Aragão, na região denominada de Cinco Vilas, nas proximidades da planície do Val d’Onsella (rio Onsella). Em direção norte, dista 90 km dos Pirineus; Zaragoza, capital de Aragão, localiza-se a 120 km; e Pamplona, capital de Navarra, a 59 km.
Um aspecto que não falta numa vila medieval é sua estrutura amuralhada que a cerca e protege. Qualquer visitante que entrar em Sos del Rey Católico terá que passar por uma de suas sete portas, que se distribuem em torno da cidade.
Ao entrar na cidade, passando pelo Portal de la Reina, senti uma emoção incrível, pois o relógio parecia ter voltado ao passado, envolvendo-me numa energia diferente. Quis então que o tempo deixasse de ter importância a partir daquele momento em que eu dava início à visita a Sos del Rey Católico. O Portal de la Reina é um belo e alto pórtico na forma de um trapézio, com a particularidade da inexistência de uma parede em direção ao interior do muro e apresentando nas três paredes buracos perfurados que poderiam servir de pontos de defesa ou ataque numa fortificação. Esse portal foi erguido em homenagem à rainha Joana Henriques, esposa do rei Juan II de Aragão. Sua importância para a história é por ela ter preferido sair de Navarra e escolhido Sos, em Aragão, para dar à luz o filho Fernando II, futuro rei de Aragão e, mais tarde, monarca da Espanha unificada.
Para os amantes de vilas e cidades medievais, Sos del Rey Católico é um lugar daqueles que transborda ar medieval por todos os cantos. Pelo que você já percebeu, dentro de suas fronteiras existe muita história. Mas acho de crucial importância relatar o impacto que foi para mim a visita ao Museu Palácio de Sada, no qual Dona Joana Henriques se hospedou no dia 9 de março de 1452 e onde, no dia seguinte, nasceu Fernando II, o rei Católico.
Foto do site: https://i.pinimg.com/originals/37/84/fc/3784fcd2f1bae0fb9f827b2687db18ae.jpg.
Por articulações políticas de seus pais e de nobres da corte, Fernando II de Aragão foi forçado a casar-se com Isabel de Castela, fortalecendo, assim, os laços com a família real de Castela e unindo os dois reinos – Aragão (composto com a atual Navarra e Catalunha) e Castela. Cabe destacar que o tio de Fernando II, Dom Afonso V, era rei de Nápoles e da Sicília. O intuito dessa união era fazer frente à expansão da França, de Portugal e do reino dos mouros de Granada, ao sul da Península Ibérica.
Curiosidades a parte, vou direto à polêmica questão que me deixou deveras impactado. Mesmo depois de cinco séculos, tanto os murais do Museu Palácio de Sada como o site da Prefeitura e livros sobre a cidade de Sos ainda costumam reafirmar que, para perpetuar a fé cristã, os atos perpetrados pelos Reis Católicos foram aceitáveis e permitidos. Antes de citá-los, caso não os conheça, vou destacar trechos de texto em espanhol, do site oficial da Prefeitura de Sos, sobre a história do rei Fernando II, o rei Católico, com destaque sublinhado e em negrito para os pontos que considero incoerentes e até absurdos.
“También se debe resaltar la propia actitud favorable de Fernando, el Católico, por el enfoque mesiánico que Colón (Critóvão Colombo) le dio a su proyecto al presentarlo como un hecho que podía ayudar a extender el cristianismo en Asia”.
“Este espíritu religioso fue el mismo que empujó a los Reyes Católicos a implantar el Tribunal de la Inquisición, comenzando por los territorios castellanos en el año 1478 por una bula del Papa Sixto IV, y siguiendo por la Corona de Aragón en octubre del año 1483, al nombrar al fraile dominico Tomás de Torquemada como inquisidor general, con poder para nombrar lugartenientes en Aragón”. (Trechos do site oficial da Prefeitura de Sos del Rey Católico: http://www.sosdelreycatolico.com/fernando_el_catolico).
Cabe então ressaltar que o “espírito religioso” leva os reis Católicos a apoiar às navegações com o intuito de estender a “fé cristã” à Ásia e a América e com o mesmo espírito a implantar o Tribunal da Inquisição. Então vemos que com este raciocínio e “com a graça de Deus”, eles tudo podiam e tudo fizeram…
Num dos murais do Museu Palácio de Sada, temos:
“A Guerra de Granada”
“O rei e a rainha, com a graça de Deus, reinaram nos reinos de Castela e Leon sabendo que nenhuma guerra devia começar, senão pela fé e pela segurança, e com o pensamento de conquistar Granada e expulsar da Espanha os mouros e o nome de Maomé”.
Alguns dos bárbaros atos praticados pelos reis católicos de Espanha:
1 – Guerra de expulsão dos mouros da Espanha, com muitas mortes.
2 – Financiaram a descoberta da América por Cristóvão Colombo que, junto com Francisco Pizarro, resultou na dizimação em massa de milhares de pré-colombianos.
3 – Implantação da Santa Inquisição Espanhola, uma das mais cruéis na Europa.
4 – Com o apoio do Papa, implantaram uma rígida cobrança de impostos dos fiéis e do povo em geral, promovendo miséria e pobreza no seio do povo.
5 – Em 1492, os reis Católicos assinaram um decreto expulsando os judeus dos reinos de Castela e Aragão, com mortes e/ou exílio para os que não se convertessem à fé cristã.
Imagem do site: http://staging.altoastral.com.br/berco-de-judas-tortura-igreja-hereges/.
Sem mais palavras, quero apenas postar este trecho de um trabalho de pesquisa:
“A Inquisição tomou nova dimensão quando Tomas de Torquemada (frade dominicano) foi nomeado Inquisidor Geral. Todos os tribunais da Inquisição, em toda a Espanha cristã, achavam-se sob sua jurisdição. Nos quinze anos seguintes, até sua morte em 1498, ele teve um poder que rivalizava com o dos Reis Católicos. Sob Torquemada, o trabalho da Inquisição prosseguiu com renovada e diabólica energia. Na década seguinte, a Inquisição se ramificou, cobrindo quase todo o país em fins do século. Talvez uns 30 mil conversos tenham sido queimados vivos em todo o reino”. (Trecho do site: http://www.morasha.com.br/historia-judaica-moderna/os-ultimos-100-anos-dos-judeus-na-espanha.html).
Espero que tenha gostado de conhecer um pouco da história de Sos del Rey Católico. Para mim ficou faltando conversar com Fernando II, o rei Católico e, quem sabe, tentar entendê-lo. Por isso tenho vontade de voltar. Viajando comigo você terá o prazer de conhecer outras curiosidades que o mundo nos apronta, além de muito mais do que por ora apresentei. Vamos?
Adoro ler as suas postagens, Ronaldo. Vc dá dicas maravilhosas de suas viagens e traz muita cultura em cada lugar que visitamos neste blog. Abraços e sucesso p/vc.
Amiga Elyan, Sos del Rey Católico foi uma estadia especial e esclarecedora, pois fiquei impactado em vivenciar que no século XXI, segmentos de turismo e a prefeitura local ainda perpetuam a ideia de que “com a graça de Deus”, Fernando de Aragão e Isabel de Castela, os reis Católicos, tinham a permissão de fazer tudo de bom ou ruim. Um absurdo!!!!!!
Excelente canal de informação e beleza …muito didático , Ronaldo.
Parabéns ,lindas fotos e textos muito elucidativos !
Espanha de Isabel de Castela, foi intensa! Rs
Meu primo Edson, Fernando de Aragão e Isabel de Castela fazem casamento arranjado para depois promover situações cruéis: Descoberta da América, com mortes e pilhagens de ouro e prata; Inquisição Espanhola com 30 mil mortes na fogueira ou forca; expulsão e/ou mortes de judeus; cercamento de Granada com fogo para expulsar os mouros; aumento de impostos aos pobres levando o povo à miséria…. E muito mais…. Mas acharem ainda hoje que tudo foi feito “com a graça de Deus” é um absurdo!!!!!!
Boa noite. Quando consideras que poderemos voltar a viajar pela Europa? Amo a Espanha e gostaria muito de voltar.
Antonio Ricardo, eu tenho uma viagem organizada com uma agente de viagens e guia para Europa, como você poderá ver no blog, em Boas Dicas – Orientações de viagens, mas estou achando complicado viajar, pois até agora a União Européia não está permitindo a entrada de brasileiros. Eu também gosto muito da Espanha e escrevi sobre algumas cidades. Você viu???