Berlim é uma cidade que viveu duas Grandes Guerras Mundiais e, portanto, seus habitantes sentiram na pele a ascensão e queda do nazismo. Como poucas pessoas no mundo, a população berlinense sofreu em seu território a separação de muitas famílias a partir de um muro que dividiu a cidade por 28 anos. Essa infeliz obra, tão insensata, distanciou famílias e amigos e produziu uma enorme queda no grau de felicidade do povo de Berlim, pois não importava de que lado você estava, mas, sim, que do outro lado tinha ficado o oposto ou o inimigo, como os governantes que impuseram e aceitaram tal separação queriam fazer crer. Um muro que, de um dia para o outro, com grande surpresa para a população de ambos os lados e de modo pacífico, foi derrubado em 9 de novembro de 1989, quando Berlim se fez novamente uma cidade.

Mapa do muro de Berlim (em vermelho) e a cidade dividida após a Segunda Guerra Mundial, o muro circulava toda a parte oeste de Berlim.

Foto do site: https://www.taindopraonde.com.br/2018/11/berlim-muro-caiu-cidade-dividida.html.

 

Atualmente é difícil identificar todo o percurso que o muro fazia, na verdade, conforme o mapa acima demonstra, ele circulava toda a parte oeste de Berlim. Essa parte da cidade ficou sob jurisdição da Alemanha Ocidental capitalista, deixando-a, então, completamente isolada da parte leste da cidade, a Berlim Oriental, e do resto da Alemanha Oriental socialista. Berlim era um enclave dentro da Alemanha Oriental.

Parte do muro, no Memorial do Muro de Berlim, na Bernauer Strasse.

Em minha mais recente visita à cidade, fui conhecer o Memorial do Muro de Berlim, que se encontra na Bernauer Strasse, no distrito de Mitte. Parte do muro que existia naquele ponto da cidade foi reconstruída, há um museu onde a história de sua construção e demolição é contada, assim como os relatos de algumas fugas e mortes de alemães que tentaram ultrapassá-lo. Ainda se encontra no Memorial uma fortificação fronteiriça com torres de vigilância, que consiste principalmente numa construção com paredes grossas de tijolos, onde por todo o topo era colocado arame farpado.

Interessante que Berlim possui uma longa história com muros e fortificações, ou seja, o muro construído em 1961 não foi o primeiro da cidade. Para quem quiser saber um pouco mais, eu indico este site para que possa aprofundar o assunto: http://berlimvisitaspersonalizadas.com/muros-de-berlim-stadtmauer-berlin-berliner-zoll-und-akzisemauer-berliner-mauer/.

Portal de Brandenburger foi construído no séc. XVIII por ordem do rei prussiano Frederico Guilherme II.

Após toda essa vertiginosa situação política, de uma Berlim fragmentada e dividida, a cidade consegue, hoje, se destacar como uma das capitais mais criativas e culturais da Europa. Reportagens e outros informes indicam que profissionais de diferentes setores artísticos e tecnológicos, como música, cinema, TV, design, desenvolvimento de softwares e das artes em geral, buscam Berlim para poder concretizar os seus projetos. Como, por exemplo, é a interessante trajetória de um grande músico internacional, que chegou a Berlim em 1976.

“Em 1976, David Robert Jones decidiu deixar Los Angeles para morar em Berlim. Atraído pela cena musical em ebulição, o músico de 29 anos buscava uma nova carreira na cidade dividida por um muro. Nos três anos em que morou por lá, manteve uma vida noturna intensa, e se deixou influenciar por bandas alemãs como Kraftwerk e Neu!. O apartamento barato em que morava ficava no bairro de Schöneberg, em um prédio que tinha sobrevivido às duas guerras mundiais (…). David Robert Jones na verdade é David Bowie”.  (Berlim – A cidade mais legal do mundo, de Amanda Cruz, publicado em 2016 no site: https://super.abril.com.br/cultura/berlim-a-cidade-mais-legal-do-mundo/).

Mas o que há em Berlim que possa lhe fascinar tanto quanto ao David Bowie?

Em julho de 2019, percebi que desde 2010 (data da minha primeira visita a Berlim) houve uma grande mudança no movimento cultural e social da cidade. É certo que minha percepção, após nove anos, pode não ter sido tão nítida, mas foi considerável.

A grande Marlene Dietrich (O Anjo Azul) nasceu em Berlim, em 1901, e, de acordo com seu último desejo, seu corpo encontra-se no cemitério Städtischer Friedhof III.

A cidade está sempre num constante e forte rebuliço, onde o metrô, por exemplo, funciona ininterruptamente durante todo o fim de semana, logo, muitos berlinenses e visitantes lotam bares, teatros, praças e restaurantes por toda a noite. Não sou um profundo conhecedor dos vários movimentos culturais e da enorme efervescência criativa que ocorre em Berlim, pois para um viajante/turista fica difícil perceber as mudanças, já que essa agitação acontece muito rapidamente. Para tal, seria necessário viver a cidade no seu dia a dia, o que não foi o meu caso, mas gostei muito do que vivenciei.

Um prédio na Schönhauser Allee, 43, com uma pintura muito criativa, onde se tem a sensação de uma fachada tridimensional.

Mesmo assim, para começar a confirmar as minhas suposições, ao chegar em Berlim soube que Milton Nascimento faria um show na Haus der Kulturen der Welt (Casa das Culturas do Mundo), então fui homenageá-lo, cantar junto e me emocionar.

Milton Nascimento no palco da Casa das Culturas do Mundo, em Berlim.

O bairro de Schöneberg representa muito bem a face criativa de Berlim, pois além de ter sido o endereço de muitos artistas conhecidos, como David Bowie, Albert Einstein, Billy Wilder e onde nasceu Marlene Dietrich, foi uma das regiões que, após o término da Segunda Guerra, com o esvaziamento da cidade, surgiu como uma área onde os aluguéis ficaram bem baratos, ao mesmo tempo em que apareceram muitas possibilidades de ocupação coletiva de prédios vazios por grupos de estudantes e jovens artistas. Esse fenômeno também ocorre em outros bairros, como: Neukölln e Prenzlauer Berg.

Na eclética Schöneberg, lojas e cafés na Motzstrasse e em torno da Viktoria-Luise-Platz atendem a ampla comunidade gay. A grande loja de departamentos Kaufhausdes Westens, ou KaDeWe, atrai compradores abastados e amantes da gastronomia para o piso gourmet. A Potsdamer Strasse é repleta de galerias peculiares e mercearias e restaurantes turcos”. (Fatos rápidos do Google maps)

O belo Teatro Friedrichstadt-Palast, construído em 1984, é um teatro de revistas, no bairro de Mitte, centro de Berlim.

A capital da Alemanha atualmente é considerada como um centro de atração para artistas de todo o mundo, que buscam a cidade por considerarem “Berlim, o lugar para se estar” (em inglês: “Berlin, theplacetobe”), como diz a campanha oficial de turismo da cidade desde 2009. Esse lema foi cunhado na administração de Klaus Wowereit, o primeiro prefeito gay de Berlim, que comandou a cidade de 2001 até 2014, por sinal um período de grande crescimento social e cultural da cidade.

E o mais interessante é que os governos de Berlim prestigiam todas as variedades na área teatral, pois a menos de duas quadras é possível encontrar teatros onde os espetáculos apresentados são bem diferentes, ou seja, no Teatro Friedrichstadt-Palast, um teatro de revistas, as encenações são, na maioria dos casos, apresentações com trupes de bailarinas. No entanto, no Teatro am Schiffbauerdamm, quase sempre são levados ao palco textos de Bertolt Brecht, pois ali se encontra a companhia teatral criada por ele e sua esposa. Assim é Berlim, uma cidade que priva pelo caráter democrático e promove a liberdade de expressão de todas as formas de artes.

A companhia Berliner Ensemble, fundada por Bertolt Brecht e sua esposa, ocupa o Teatro am Schiffbauerdamm, no bairro de Mitte, centro de Berlim.

A cidade de Berlim tem como primeiro documento histórico de criação o ano de 1237, no séc. XIII, e o local de sua fundação é a região da atual Ilha dos Museus, sendo a parte mais central do bairro de Mitte, banhada pelo rio Spree. Esse, então, é o ponto “core”, onde a cidade foi fundada e a partir do qual ela foi crescendo de forma radial e se expandindo para todas as direções, após o séc. XVII. Mitte era, então, conhecida como Berlin (sim, com n), e a Ilha dos Museus era denominada de Kölln. Então, a cidade que surgiu foi chamada de Berlin-Kölln. Ainda no séc. XVII, a cidade de Berlim se limitava à região de sua fundação, conforme mapa histórico a seguir.

Mapa de Berlim de 1688, do Atlas Histórico de Berlim.

Site: https://pt.wikipedia.org/wiki/Berlim

Como já deixei claro anteriormente, não é possível conhecer profundamente Berlim sem que se viva nela por um período mais longo, mesmo assim, através de informes em geral, identifico que a cidade possui um conjunto de locais artísticos de fazer inveja a muitas outras grandes cidades. Com dados de 2011, Berlim possuía 138 museus e em torno de 420 galerias de arte. Isso é incrível, mas para que um turista possa conhecer pelo menos os mais representativos, creio que uma semana na cidade seja pouco. Pra que tenham uma ideia, na minha primeira ida a Berlim, eu passei um dia inteiro visitando apenas dois museus que se encontram no conjunto da Ilha dos Museus: o Museu de Pérgamo e o Neues Museum, que exibe o busto de Nefertiti. Somente na Ilha dos Museus há uns oito museus diferentes, ou seja, é realmente uma concentração incrível de arte e cultura num só lugar. Indico a visita aos dois mais importantes.

O antigo Palácio Real se encontrava na região de Kölln (cidade mais tarde absorvida pela vizinha Berlim). Ele foi residência dos reis da Prússia desde 1701 e dos imperadores da Alemanha a partir de 1871 até a queda da monarquia em 1918. Foi destruído durante o período da Alemanha Oriental socialista, por ter sido visto como um símbolo imperial. Após a reunificação, foi reconstruído e transformado no Forum Humboldt, um local para exposições que se encontra na Ilha dos Museus.

O Forum Humboldt, na Ilha dos Museus, é atualmente local para exposições, mas foi o antigo Palácio Real.

Para finalizar este passeio por Berlim, relatarei momentos agradáveis e vibrantes que vivi durante minha última estada naquela cidade. Com a felicidade de estar com dois grandes amigos brasileiros que vivem na Europa, escolhemos para começar o dia o Hackbarth’s Bar, localizado na Auguststrase 49A, para degustar um bom café da manhã. Tudo foi perfeito.

Hackbarth’s Bar, localizado na Auguststrase 49A.

Logo após o café, caminhamos por todo o dia, fazendo um passeio sem roteiro prévio, e então conheci uma região da cidade, no bairro de Mitte norte, que está se transformando muito rapidamente, com novos prédios comerciais, reformas em locais públicos, novos traçados de vias e restaurações em antigas construções. Berlim se moderniza muito velozmente.

Moderno prédio comercial na Ackerstrase, 29, no bairro de Mitte norte.

Naquele dia eu visitei o Memorial do Muro de Berlim, já descrito anteriormente, mas cabe destacar que, quase ao entardecer, o meu amigo que vive na Alemanha nos levou a conhecer o local do esconderijo onde Adolf Hitler passou os seus últimos dias antes de cometer o suicídio: o “Führerbunker”.

Hoje, no local, pode ser vista uma placa descritiva do bunker, com relato histórico de seus habitantes, uma planta com os cômodos e um pouco mais. O complexo da Chancelaria do Reich e o Führerbunker foram destruídos pelos soviéticos no pós-guerra e atualmente é um estacionamento e um parque infantil de um condomínio de prédios residenciais.

Placa descritiva do “Führerbunker”.

“O bunker localizava-se a nordeste da Chancelaria do Reich, a cinco metros de profundidade e protegido por mais quatro metros de concreto armado. Cerca de trinta salas espalhavam-se por dois pisos e havia saídas na construção principal e uma saída de emergência para os jardins. Ele foi equipado com sistema de ventilação protegido contra gases venenosos, geradores a diesel e portas de aço.” (Relato descrito no site: https://pt.wikipedia.org/wiki/F%C3%BChrerbunker).

Algo que demarca um enorme avanço na mentalidade do povo alemão, e que se reafirma sempre, é que o passado da Alemanha não pode ser esquecido para que jamais retorne. Símbolo desse pensamento é a construção e presença do Memorial aos Judeus Mortos da Europa, a apenas uma quadra da localização da antiga Chancelaria do Reich e do “Führerbunker”, que ficava entre as ruas Voßstraßee Wilhelmstraße.

Para a Berlim que sobreviveu a Adolf Hitler, ao nazismo, a um muro divisor e hoje alcança o patamar de cidade criativa e cultural, as perspectivas e os desafios para o futuro ainda são uma incógnita. Por tudo isso, Berlim merece uma visita sem pressa, para viver a euforia e a alegria dos berlinenses com o seu habitat.

 

*A foto do carrossel é o Portal de Brandenburger do site: https://super.abril.com.br/cultura/berlim-a-cidade-mais-legal-do-mundo/

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8 thoughts on “Berlim – Do nazismo à criatividade”

  1. Excelente artigo , já estive em Berlim há alguns anos atrás , em uma visita relativamente rápida ,portanto , adorei complementar informações ! Parabéns

    1. Rita Neli, amiga e seguidora do blog, que bom que você gostou do texto de Berlim e creio vai lhe ajudar numa próxima viagem à cidade. Berlim é muito legal, eu gosto bastante.

    1. Ubiratan, seguidor do blog, sou bisneto de alemão e tive resistência em conhecer a Alemanha por conta do período nazista, que ainda me assustava, mas percebi que o povo alemão soube tratar muito bem o tema para que não ocorra um nefasto retorno daquele período. Meu bisavó era um pobre alemão e veio para o Brasil no final do séc. XIX e deixou tudo para trás. Que bom que você gostou do conteúdo. Eu também gosto muito desse post. Divulgue para os amigos e inimigos.

  2. Estive em Berlim em 2 ocasiões e gostei demais de visitar a cidade. Tivemos essa impressão de uma cidade que valoriza a cultura. Acho que vimos essa placa do Fuhrerbunker pois meu marido gosta muito de ler sobre Hitler.
    Excelente texto! Parabéns

    1. Lilian Azevedo, seguidora do blog, eu sou bisneto de alemão e tive resistência em conhecer a Alemanha por conta do período nazista, que ainda me assustava, mas percebi que o povo alemão soube tratar muito bem o tema para que não ocorra um nefasto retorno daquele período. Meu bisavó era um pobre alemão e veio para o Brasil no final do séc. XIX e deixou tudo para trás. Obrigado por suas palavras e que seu esposo continue a pesquisar a história da Alemanha.

    1. Annere, seguidora do blog, sou bisneto de alemão e tive resistência em conhecer a Alemanha por conta do período nazista, que ainda me assustava, mas percebi que o povo alemão soube tratar muito bem o tema para que não ocorra um nefasto retorno daquele período. Meu bisavó era um pobre alemão e veio para o Brasil no final do séc. XIX e deixou tudo para trás. Que bom que você gostou de conhecer sobre Berlim. Obrigado!

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