Antígua, bela após terremoto.

Começo a lembrar da primeira vez que estive na Guatemala. Eu tinha 26 anos, recém-terminado uma pós-graduação em Bogotá e fui convidado por um colega de turma a conhecer o seu país. Ele residia com familiares na cidade de Antígua, antiga capital da Guatemala. Essa viagem foi muito impressionante, pois vivenciei pela primeira vez o contraste entre nossa gastronomia e a dos guatemaltecos no café da manhã em família. A casa era de dois andares e, ao descer e chegar à sala para acompanhar a família no desjejum, eis que me deparei com muito feijão, molhos de pimenta, carne acebolada, ovos fritos etc. Até aquele dia, jamais havia comido feijão num café da manhã.

A Guatemala é um país muito interessante, entretanto poucos brasileiros o conhecem, devido aos altos preços das passagens aéreas e por conta das poucas empresas de turismo a oferecer pacotes acessíveis para esse país. Para escrever este post, pesquisei pacotes para a Guatemala e encontrei opções abusivas, como um roteiro de 9 dias para o qual somente a parte terrestre custava R$ 22.300,00, conforme o pacote de uma companhia de turismo de São Paulo:

Guatemala – Caminhos Maias e Harley Davidson – 9 dias

Preço por pessoa em US$, parte terrestre, a partir de:

Validade: dezembro de 2020

Datas de saída do tour:	Roteiro e Hotéis previstos (ou similares):	Valor em apto duplo, a partir de:
Outubro: 03, 10, 17, 24 e 31 Novembro: 07, 14, 21 e 28 Dezembro: 05	Cidade da Guatemala – Barceló Chichicastenango – Santo Tomás Quetzaltenango- Pensão Bonifaz Atitlán – Porta del Lago La Antígua – Casa Santo Domingo	US$ 4.452,00, este valor é apenas parte terrestre.

PARTE AÉREA

CONSULTE AS TARIFAS DO DIA!

Devido à dinâmica das companhias aéreas, os valores estão sujeitos a alterações diariamente e à disponibilidade de lugares. São garantidos somente no ato da emissão da passagem aérea, conforme as regras vigentes. Programe-se para aproveitar as melhores tarifas.

Um voo em dezembro com ida e volta (Copa Air) – R$ 4.900,00.

Site da Companhia Eco de São Paulo: https://www.ciaeco.tur.br/SobreCiaEco.html

Ao apresentar esse pacote, o objetivo não foi desanimar sua viagem, mas alertar que um viajante antenado não pode ficar preso às agências, pois, ao cumprir o passo a passo do meu post https://novosterritorios.com/dicas-planos-e-orientacoes-para-uma-incrivel-viagem/, você consegue preços mais acessíveis.

Minha segunda viagem a Antígua foi em janeiro de 2014, e ao planejar com antecedência obtive bons preços de hotéis, mas nem tanto para as passagens aéreas. O voo de ida foi Bogotá-Guatemala-Tikal e a volta foi Tikal-Guatemala e, dias mais tarde, o voo Guatemala-Bogotá. Esses trechos foram cumpridos pela Avianca e, em 2014, custaram 758 dólares. Ao pesquisar, encontrei pela Copa Air, do Rio para a Guatemala, com escala no Panamá, saindo a 774 dólares, mas fixe que o preço anterior era a partir de Bogotá, logo atualmente os preços estão melhores. Nesse maravilhoso retorno à Guatemala, tive a companhia de um amigo e professor de Geografia, Marcos Antônio Teixeira.

Antígua foi fundada em 1542, com o nome de Santiago de los Caballeros de Guatemala, para ser a capital da Capitania Geral da Guatemala, que correspondia à atual América Central, com exceção do Panamá. Podemos destacar que, com o propósito de ser a capital de uma Capitania Geral, Antígua é a mais antiga cidade fundada na América Latina. Em 1776, autoridades civis espanholas decidiram construir a capital da Guatemala num território onde não houvesse grande instabilidade tectônica, pois, no século XVIII, Antígua sofreu três fortes terremotos, sendo que o de 1773 foi o mais severo e destruiu bastante a cidade. Então, Antígua perdeu o status de capital para a cidade de Nueva Guatemala de la Asunción, atualmente denominada de cidade da Guatemala.

Foto do site: https://lahora.gt/terremotos-en-guatemala/

Ao destacar o terremoto de 1773, começo a apresentar Antígua. Hoje os destroços e as ruínas provocados pelos fortes abalos sísmicos revelam aos visitantes o esplendoroso passado da cidade, principalmente as sublimes ordens religiosas na história colonial da América Central. Entretanto, o terremoto de Santa Marta, em 1773, abalou a estrutura de poder das autoridades eclesiásticas das diferentes ordens religiosas que mantinham influência e domínio sobre a monarquia espanhola, que, percebendo a força da Igreja, começou a expulsar os jesuítas de todos os territórios coloniais da Espanha, em 1767. Mas o rei da Espanha queria mais e viu perfeita a solução de enfraquecer o poder das ordens religiosas quando foi decidida a transferência da capital de Antígua para a nova cidade da Guatemala, em 1776, forçando as ordens religiosas (dominicanos, franciscanos, recoletos etc.) a abandonar seus majestosos conventos, mesmo que destruídos, para estruturas temporárias na nova capital.

Durante os séculos XVII e XVIII as ordens religiosas católicas impunham regras de arrecadação de fundos e construíam imponentes igrejas, conventos, moradias para os párocos e escolas de doutrinação, pois eram os religiosos que administravam as fazendas e os engenhos, utilizando negros, mulatos e mestiços escravizados. Em suma, a Igreja dominava as relações sociais nos territórios onde se estabeleciam. No trecho a seguir, apresento o número “mal contado” de habitantes das vilas rurais ao redor de Antígua, o interessante é que a listagem confirma que os negros trabalhavam nos engenhos das ordens religiosas.

“E pelo que pertence às Aldeias do Vale segundo os registros eu numerei 1.320 espanhóis entre grandes e pequenos, 1.420 mulatos, 690 mestiços, como 100 negros, ou seja, escravos que podem estar nos engenhos das sagradas ordens religiosas: Santo Domingo, San Agustín, La Merced, a Companhia de Jesus e a de Don Joseph de Arrevillaga … ” (trecho retirado do site:        https://lahora.gt/terremotos-en-guatemala/ ).

Esse momento tenebroso na vida do povo maia evangelizado, dos mestiços e dos poucos negros impõe entender que as belas ruínas das diferentes ordens religiosas foram construídas com o esforço e suor dos escravos. Ao visitar Antígua, um polo turístico muito interessante, não se pode esquecer o passado. Para melhor compreensão, passo a apresentar as mais importantes ordens religiosas.

1 – Catedral de Santiago. A primeira catedral de Antígua começou a ser erigida em 1545, mas o período de sua construção alongou-se devido aos frequentes terremotos. Em 1669 o templo necessitou ser demolido dando início à construção da nova igreja, inaugurada com enorme pompa em 1680. A pintura abaixo representa a Catedral de Santiago, em construção, em 1676. Quase um século depois da inauguração, em 1773, o grande terremoto de Santa Marta pôs ao chão todo o teto, as paredes internas e as laterais, salvando apenas a fachada. 

Pode ficar difícil entender, mas, na verdade, ocorreram duas construções no mesmo quarteirão. Primeiro, a Catedral de Santiago, que praticamente foi destruída em 1773, e posteriormente, em 1832, o sacerdote de São José decidiu iniciar a obra da nova Catedral de São José, recuperando a fachada da antiga. Hoje, então, na Plaza Mayor, ou Parque Central de Antígua, as ruínas da Catedral de Santiago podem ser visitadas através de uma entrada lateral da nova catedral.

2 – O Convento e a Igreja da Companhia de Jesus. Ambos foram construídos em dois momentos, pois o convento e o colégio dos jesuítas foram fundados em 1607, e somente em 1698 a igreja foi inaugurada. O colégio foi um importante centro de formação educacional em Santiago de los Caballeros da Guatemala, capital da Capitania Geral, onde os jesuítas educavam os filhos das famílias oligárquicas da Espanha que firmaram residência em terras coloniais.

Os jesuítas foram expulsos da cidade em 1767, quando a igreja e o convento foram abandonados. Mais tarde, devido ao terremoto de 1773, quase tudo se transformou em ruínas. Em 1992, a Agência Espanhola de Cooperação para o Desenvolvimento Internacional restaurou parte das instalações para a criação de um centro internacional de treinamento. Hoje, o espaço do pátio interno da igreja é utilizado para a realização de diversas atividades culturais.

3 – A Igreja e Convento de Santo Domingo. Foi um dos mais afetados pelo terremoto de 1773, pois relatos da época confirmam que os prédios estavam totalmente no chão, com as ruínas espalhadas por toda parte e muitas vítimas. A igreja, que havia sido magnífica, foi transformada em um morro de entulho. Os dominicanos chegaram a Antígua em 1542, entretanto a data de inauguração de toda a obra religiosa deve ter sido 1635. Esse quase um século para o término da obra deve-se ao tempo que os dominicanos levaram para se firmar financeiramente em Antígua. Eles se transformaram em grandes proprietários de fazendas na Guatemala e aos poucos foram ampliando a grandeza no interior do templo religioso, com várias peças sacras de ouro, imagens de santos em prata, castiçais cravejados de pedras preciosas, lamparinas de bronze ou de ouro etc.  

As ruínas da Igreja e do Convento de Santo Domingo são franqueadas à visitação pública, sem cobrança de taxa, e atualmente fazem parte da propriedade da Casa Santo Domingo, um hotel cinco estrelas de Antígua que foi inaugurado em 1989. A visita é bem interessante, pois faz com que se tenha a dimensão da obra dos dominicanos e de tudo que restou do grande terremoto de 1773, assim vemos os remanescentes blocos de pedra, algumas paredes, arcadas de tijolos, um belo chafariz, corredores de azulejos, fontes, relíquias escavadas etc. A direção do hotel foi soberba em readaptar no local da antiga Igreja de Santo Domingo um templo religioso com cadeiras, um singelo altar, sinos, toldos e, ao fundo, no local provável da antiga sacristia, estão expostos objetos sacros que foram salvos do terremoto. É um passeio imperdível.

Imagine que, depois de mais de um século de abandono, Antígua foi, aos poucos, ressuscitada e transformou-se, no séc. XX, num lindo museu a céu aberto. As ruínas dividem a atenção dos visitantes com o magnetismo dos três vulcões que rodeiam a cidade. O vulcão da Água, do Fogo e Acatenango são ainda ativos e desafiam os atuais moradores, já que a qualquer momento pode ocorrer o que muitos preferem esquecer: fortes erupções resultando num grande terremoto como o de 1773. 

Em 2014, quando estive em Antígua, por onde andava sentia a presença dos imponentes vulcões, e a partir de diferentes pontos da cidade vislumbrava belas vistas dos seus cones e da natureza ao seu redor. Reportagens recentes confirmam que o vulcão Pacaya, que fica mais afastado de Antígua, entrou em erupção em 2010, e o vulcão do Fogo, que está mais ativo, entrou em erupção em junho de 2018, matando cerca de 30 pessoas. Desde então, não têm ocorrido abalos sísmicos na região, mas o vulcão do Fogo é muito impressionante e até cômico. Eu e meu amigo estávamos no terraço do hotel e de repente ele começou a expelir uma leve fumaça na forma semelhante ao ato feito por um fumante.

Veja um belo vídeo produzido por um drone sobrevoando o vulcão do Fogo em 2018. Imperdível!

Este é o primeiro post a ser publicado sobre Antígua e logo divulgarei outro, mas acredito que vou deixá-lo curioso em conhecer um pouco mais dessa cidade que tem uma fascinante e curiosa história. Ainda há muito o que contar sobre Antígua, pois além das três igrejas e conventos que descrevi, existem muitas outras, algumas em ruínas e umas que não foram abaladas pelo terremoto de 1773 e por outros que ocorreram depois. Pouco falei das tradições maias que conseguiram permanecer – apesar da rígida colonização espanhola -, dos trajes típicos coloridos, dos ônibus criados a partir de carrocerias de caminhão… Enfim, ainda há muito o que conhecer sobre Antígua. Eu indico uma visita, mesmo já esclarecido que os preços não são tão convidativos.