Quando pensei em conhecer a Geórgia eu já havia tido o prazer de beber um vinho georgiano, logo, quando se tornou possível minha primeira viagem ao país, fiquei entusiasmado em poder conhecer as vinícolas locais e provar seus produtos. A felicidade foi maior quando cheguei à cidade de Telavi, capital da maior região produtora de vinhos do país: Kakheti. Mas, antes, creio que seja importante apresentar um pouco da história do vinho da Geórgia.
Com escavações e estudos arqueológicos e microbotânicos, cientistas comprovaram que biomoléculas de vinho foram encontradas absorvidas nos tecidos e nas rachaduras da cerâmica dos grandes frascos em dois locais na Geórgia. Os estudos permitiram provar que os frascos encontrados eram datados de 6000 a 5800 a.C., logo, ficou evidente que a Geórgia produziu o mais antigo vinho no mundo para fins de consumo.
Foto no site: https://www.eurekalert.org/multimedia/pub/155588.php?from=376467, de Stephen Batiuk
Os cientistas ainda não encontraram evidências de como os frascos de Shulaveri e de Gadachrili Gora (locais das buscas arqueológicas na Geórgia) foram posicionados, se foram parcial ou totalmente enterrados no subsolo, como é a prática comum para a fermentação e produção do vinho kvevri (“ânfora grande”), ainda hoje, no país.
Mesmo assim, os cientistas canadenses envolvidos nas escavações arqueológicas confirmam a “cultura do vinho” na Geórgia :)
Com base nessas evidências microbotânicas, duas inferências razoáveis e parcimoniosas podem ser feitas: que as videiras cresciam perto dos locais da Geórgia, possivelmente dentro das aldeias, e que seus frutos eram usados como fonte de alimento. Combinado com a evidência química de um produto de uva dentro de vários frascos, que serviria bem como recipientes de líquidos, o vinho de uva era provavelmente um dos produtos pretendidos, especialmente à luz da “cultura do vinho” que emergiu mais tarde nesta área e em todo o país”. (Vinho neolítico da Geórgia no sul do Cáucaso – https://www.pnas.org/content/114/48/E10309)”
Foto do site: http://news.hvino.com/2015/06/an-amazing-discovery-in-adjara-medieval.html
Após apresentar esse breve histórico sobre a descoberta da “cultura do vinho”, e reconhecendo que a Geórgia é, então, o berço da produção do vinho mais antigo do mundo, afirmo que muito teria por explanar sobre o tema, mas passarei a descrever o meu fascinante contato com a região vinícola do país. Para começar e dar água na boca de apreciadores de um bom vinho, como eu, apresento dois maravilhosos vinhos de Kakheti, que eu trouxe da Geórgia e degustei com amigos.
Para comprar vinhos da Geórgia no Brasil indico esses dois sites: https://www.wine7.com.br/ & https://mundusvini.com.br/. Espero que pesquisem e encontrem o vinho de seu agrado. A Geórgia produz bons vinhos red semi (semitinto) ou red medium (médio-tinto). Os vinhos da Teliani Valley são excelentes e o Akhasheni é maravilhoso. A vinícola Alazani Valley também pruduz bons vinhos com a uva Saperavi. Com a sua lendária generosidade, a diversidade de uvas e o conhecimento ancestral na produção de vinhos de diferentes sabores, sem dúvida, a Geórgia me embriagou, enfeitiçando-me totalmente. Inebrie-se!
Telavi, a capital da região de Kakheti, foi a minha última estadia na Geórgia. Senti um misto de euforia e tristeza, pois o meu roteiro pelo país estava chegando ao fim e eu adoraria poder prolongá-lo. Depois de 10 dias, eu estava apaixonado pelo seu povo e por tudo que conheci. Quando cheguei ao Guest House Family, como sempre, fui extremamente bem recebido por Dona Nathalia, a proprietária do hotel, que prontamente me ofereceu um café completo. Percebi sua enorme alegria por receber um viajante do Brasil. É assim a Geórgia!
Um detalhe inesquecível ocorreu no momento da despedida, cheia de emoção, onde Dona Nathalia me presenteou com uma garrafa de vinho, um pote e um kvevri de porcelana pintado por ela própria. Voltarei a Telavi com uma surpresa.
Durante o passeio pela cidade, visitei o Castelo do Senhor (Batonis Tsikhe), que está localizado dentro do Forte de Telavi, uma grande área retangular com várias torres ao redor da muralha. O Castelo e o Forte foram construídos entre 1664 e 1675, sendo que o último nobre a ocupá-lo foi o rei Erekle II, que nasceu e morreu em Telavi e governou de 1744 até 1798. Foi um período intenso de desenvolvimento econômico na região leste da atual Geórgia, na época conhecida como Reino de Cachétia (região de Kakheti atual). O Castelo é o palácio real medieval mais bem preservado da Geórgia.
>A um passo do Forte de Telavi, podemos encontrar outro ponto de interesse da cidade: a mais antiga árvore do país, a famosa Giant Plane Tree, que tem mais de 900 anos. Ela é do gênero Platanus orientalis, frequentemente conhecida como “London plane tree”. Pelo que pude pesquisar, com 40 metros de altura, quase 12 m de largura e 3,6 m de diâmetro no tronco, ela pode ser a mais antiga árvore dessa espécie, viva, no mundo.
Próximo da grande árvore e podendo usufruir da boa sombra, encontra-se o excelente Restaurant by Plane Tree, onde, por indicação, fui experimentar pratos típicos da gastronomia georgiana, como os cogumelos grandes assados com bacon e recheio de geleia (não me lembro a fruta, talvez damasco), além de espeto de carne de cordeiro entremeada com cebolas e pimentões. Tudo uma delícia!
Mas agora vamos falar um pouco mais do vinho de Kakheti, já que é a principal região produtora de vinho do país. A Geórgia tem pouco mais de 500 variedades de uvas, sendo assim, é o país com a maior diversificação de espécies de uva do que qualquer outro lugar do mundo, entretanto, apenas umas 40 dessas variedades são usadas para a produção comercial. No Mosteiro Alaverdi, em Akhmeta, onde os monges ortodoxos produzem seu próprio vinho, existem 140 variedades de uvas endêmicas que crescem na região e remontam ao século VI.
Quando se debruça para conhecer a viticultura da Geórgia, o mais fantástico é descobrir que o método tradicional de fazer vinho no país foi passado pelos mais antigos habitantes, que depois foram repassados aos monges ortodoxos através dos tempos e consequentemente foi se transformando em uma tradição milenar entre diversas famílias.
O Monge Gerasime, do Mosteiro Alaverdi, em Akhmeta, da região de Kakheti, explica: “A vinicultura começou aqui desde os primeiros dias do mosteiro. Na Geórgia, o vinho é uma tradição que remonta aos tempos primitivos. Desempenha um papel importante na liturgia cristã. E até mesmo antes do cristianismo, nos tempos antigos, era uma parte essencial do quotidiano das pessoas. O que torna o vinho georgiano único são os kvevris”.
O maior segredo desse método tradicional de produção de vinho repousa na composição e distribuição dos diferentes tipos de argila e outros materiais que compõem a base para a confecção dos kvevris, que são os grandes vasos de barro usados para a fermentação e o armazenamento de vinho. Essas grandes ânforas são usadas na produção de vinho na Geórgia há milênios e podem não ter origem em Kakheti, mas estão ligadas ao estilo distinto de vinho branco pelo qual a região é conhecida. Nelas, o vinho sofre a fermentação e maturação por pelo menos cinco ou seis meses.
Normalmente, os cachos inteiros de uvas, com caule, pele, sementes e folhas, são colocados diretamente nos kvevris e ali macerados com cabos cujas pontas são revestidas de folhas de goma e betume. Uma vez terminada a prensagem e maceração, o kvevri é tapado com pedra de ardósia ou de vidro e selado hermeticamente com argila da pedra calcária ou terra, para manter a temperatura constante. Na primavera, as ânforas são abertas e o vinho é bebido ou colocado noutro kvevri, para envelhecimento adicional ou, em alguns casos, engarrafado e acondicionado em salas próprias.
Os vinhos da Geórgia têm uma textura tânica firme no paladar. Os brancos desenvolvem aromas de damascos, cascas de laranja e nozes; os tintos tornam-se mais carnudos, possuem lindas colorações de framboesa e cereja, são leves e semissecos. Outros tintos podem possuir vários aromas, como maçã verde, cítricos suaves e flores brancas, e conter uma mineralidade delicada, sem que se sinta qualquer acidez. Eu afirmo que é um prazer degustar vinhos desse fabuloso país.
Na tradição cultural da Geórgia, as vinhas são extremamente importantes. Para um camponês, as videiras estão em primeiro lugar. Só depois vem a família! É uma forma de vida que sobreviveu ao longo da história da Geórgia. Diferentes invasores tentaram acabar com a tradição vinícola, mas ela continua mais forte do que nunca.
As vinhas de uma família representam mais do que apenas vinho. Misturando nozes, figos e outras frutas com sumo de uva engrossado, os habitantes da região fazem o Churchkhela, um doce típico e natural, inventado em Kakheti. Depois de algumas semanas secando ao sol, os doces estão prontos. E são deliciosos!
Que tal marcarmos uma visita a cidade de Telavi, na região de Kakheti? Retornarei, com certeza, assim que eu puder, pois, enfeitiçado pela Geórgia, sinto que ainda existe muito que viver e desfrutar na parte leste do país. E o melhor: é um destino muito barato. Vamos?
*A foto do Carrossel é uma plantação de uva no Mosteiro Alaverdi do site: http://alltravel.ge/wp-content/uploads/2016/04/Alaverdi-monastery_Kakheti-tour.jpg
O país com o maior número de uvas nativas é Portugal, não a Geórgia.
Damazio. Primeiro queria saber a sua nacionalidade. Depois vou te responder a partir de sites que confirmam que o vinho da Geórgia é o mais antigo do mundo e que tem 526 cepas autóctones no país. Vamos conversar por nossos e-mail’s. Ok. O meu é: rwilken@uol.com.br.
Damazio. Vou te enviar um site oficial da Geórgia que indica como certa minha afirmação no post: https://winesgeorgia.com/grape-varieties/. Sendo assim gostaria de ver um site oficial que afirma o que você diz, ou seja, “o país com o maior número de uvas nativas é Portugal, não a Geórgia”. OK???
Excelente texto, Ronaldo.
Amigo Leonardo, você tem me ajudado muito a colocar este blog nas alturas. Kakheti é uma região tão linda e cheia de história que fica fácil escrever. Obrigado pelo comentário.