Após terminar o texto da Acrópole de Atenas fiquei indeciso sobre qual novo território eu deveria descrever com fervor, então, devido às leituras sobre as construções clássicas de Atenas, achei importante relatar o olhar que obtive sobre os variados tipos de estruturas arquitetônicas da Geórgia. O país me deixou intrigado com os diferentes tipos de arquitetura que me deparei pelos caminhos percorridos durante onze dias. Em distintos momentos fiquei curioso em conhecer a história, o estilo, os moradores, o uso, o abrigo, os materiais, o tempo e tudo que pudesse entender um pouco mais sobre as edificações georgianas.

Enigmático edifício de Tbilisi, capital da Geórgia.

Foto do site: https://br.pinterest.com/pin/536913586797311747/.

A viagem foi incrível! Pelas estradas que passava, nas diferentes regiões, os muros e fachadas das casas me deixavam impactado e sorridente nos momentos em que via estilos, modelos e tipos de materiais diferentes em cada construção. O meu olhar era fixo no caminho, mas, ao mirar para os lados, extasiava-me por ver tamanha diversidade nas suas formas. Como viajava sozinho e a maioria das estradas na Geórgia não tem acostamento, não pude tomar tantas fotos, mas as poucas eu compartilho.

Muros e fachadas de pedras são a tônica nas estradas da Geórgia.
Moradia com revestimento de hera e o muro todo de pedras em ruínas.

Particularmente vi alguns muros diferentes e incríveis! Curioso em poder analisar, parei o carro num acostamento numa estrada da região de Kakheti, próxima da cidade de Telavi, e fui conferir a técnica de construção. Percebi que algumas pedras foram superpostas sem que fosse utilizado material de cimentação ou, quando existia, com a presença de pouco cimento. Nessa região os muros eram construídos dessa maneira e vi alguns tombados ou com algumas pedras caídas no terreno, que, para mim, os faziam mais interessantes. 

Muro de pedras empilhadas
Muro com pedras empilhadas e folhas de metal.

Muito especial foi conhecer um bairro na cidade de Gori com muitas moradias urbanas e suas frondosas parreiras, e o mais raro foi que as encontrei na região central do país, na Ibéria Interior, bem distante de Kakheti, que é a grande produtora de vinhos da Geórgia.

Moradia em Gori com uma enorme parreira.

Durante minha viagem para Mestia, a cidade das torres medievais, localizada na região de Svaneti, no noroeste do país, pude perceber a existência de casas de dois andares, amplas, com a impressão de confortáveis e sempre ao centro de uma propriedade que, na maioria das vezes, parecia ter uma pequena área agrícola de subsistência ao fundo do terreno. Essas propriedades eram grandes, em contraposição as que se vê na maior parte da Geórgia, e por esse motivo foi importante conhecê-las.

Moradia ampla, de dois pisos e no centro de terreno, próxima de Zugdidi.

Antes de continuar a explanação, é importante citar alguns aspectos da história política da Geórgia. Em 1991 o país se emancipou da ex-URSS, logo foi uma república socialista durante 67 anos, de 1924 até 1991. É importante ressaltar que a Geórgia possui uma economia frágil e dependente dos interesses do capitalismo internacional. Outro aspecto que merece destaque são os conflitos ocorridos em seu território de 1995 a 2000 e depois a guerra com a Rússia em 2008. Portanto, as últimas três décadas não foram suficientes para levar a Geórgia ao patamar de economias desenvolvidas da Europa.

Belo edifício multifamiliar em Tbilisi, construído no período socialista.

Foto do site: https://bettyonthego.com/13-most-instagrammable-places-tbilisi/.

Explicado esse processo histórico, ao andar pelas ruas de Tbilisi, a capital da Geórgia, presencia-se moradias muito simples, semelhantes aos antigos cortiços da cidade do Rio de Janeiro dos sécs. XVIII e XIX. Um desses prédios, habitado e localizado na área central, na Metekhi Street, nº 14, me impressionou bastante pois estava com várias rachaduras, desnivelamento entre os andares e uma pequena obra na porta de entrada. 

Prédio com rachaduras, na Metekhi Street, nº 14, no centro de Tbilisi.

É bem provável que essas características dos edifícios estejam relacionadas ao período da economia planificada e que depois tenham continuado devido às dificuldades econômicas que ainda hoje vivem muitos georgianos.

Em Tbilisi vi outras moradias, que se encontram ocupadas, com rachaduras ou em estado precário de conservação. Algumas rachaduras podem ter ocorrido durante dias de tremores de terra na região, apesar de que o mais forte terremoto ocorreu em 1989, sendo assim estranhei que existissem várias habitações nesse estado. Em janeiro de 2020 ocorreu um terremoto na Turquia que foi sentido na Geórgia, ou seja, é uma região de instabilidade tectônica.

Moradia com rachaduras na parte de sustentação da varanda.
Moradias rachadas e bem precárias em Tbilisi.

Que fique claro que não vivenciei, em nenhum momento, situação de insegurança em Tbilisi, pois o país vive um momento de estabilidade política. As habitações não se encontram em áreas perigosas, muito pelo contrário, creio ser cultural ou opção de vida, pois como a Geórgia viveu muito tempo numa economia planificada e com poucos recursos, os georgianos se adaptaram a essa realidade, que se percebe por quase toda a cidade. Foi impressionante conhecer essas edificações bem contrastantes com outras.

Varanda tradicional em madeira talhada num belo edifício em Tbilisi.

A arquitetura georgiana típica é bem singular, com belas habitações construídas com varandas internas ou balcões externos em madeira talhada. Muitos dos prédios mais rústicos são moradias multifamiliares e a maioria foi construída no século XVIII. Os lindos balcões de madeira se sobressaem por vários lugares da Geórgia.

Prédios com varandas e balcões em madeira talhada, em Tbilisi.
Um belo mosaico com diferentes tipos de balcões, varandas e janelas da Geórgia.

Foto do site: https://br.pinterest.com/pin/522769469227217479/.

Edifícios com diferentes tipos de balcões de madeira, em Tbilisi.
Lindo e diferente prédio da cidade de Telavi, na região de Kakheti.

Uma boa maneira de conhecer a história da arquitetura da Geórgia é visitando antigas igrejas ortodoxas. A Basílica Anchiskhati de Santa Maria, é uma igreja sobrevivente do séc. VI, em Tbilisi, que tem na fachada e no interior diferentes tipos de materiais de construção. Talvez se possa afirmar que, por ter sofrido várias reformas, se transformou numa igreja de estilo eclético, mas originalmente era um templo medieval.  

A fachada da Basílica Anchiskhati de Santa Maria, em Tbilisi.

Uma das mais imponentes igrejas da Geórgia praticamente empreendeu o estilo da arquitetura sacra no país. A Catedral de Svetitskhoveli, localizada na histórica cidade de Miskheta, é uma obra da Idade Média. Foi Santa Nino quem indicou o local para construir a primeira igreja na Geórgia, no século IV. Nino foi uma importante evangelizadora do país, que, quando conseguiu converter o Rei Mirian III ao cristianismo, transformou uma antiga sociedade pagã num dos primeiros estados do mundo antigo a adotar essa religião. A conversão do Rei Mirian III ao cristianismo ocorreu em 334, seguida pela declaração do cristianismo como religião estatal no Reino da Geórgia em 337.

“A arquitetura da atual Catedral de Svetitskhoveli, que data de cerca de 1020, baseia-se no estilo de cúpula cruzada, que surgiu na Geórgia no início da Idade Média e se tornou o estilo principal após a unificação política da Geórgia pelo rei Bagrat III (978-1014). A característica desse estilo é que a cúpula é colocada nos quatro lados da igreja. Havia originalmente uma silhueta de três etapas mais harmônica, com portais do sul, oeste e norte. Os portais do norte e do sul foram demolidos na década de 1830. A entrada atual da catedral é a oeste”. (trecho retirado do site: https://en.wikipedia.org/wiki/Svetitskhoveli_Cathedral).

A Catedral de Svetitskhoveli, localizada na histórica cidade de Miskheta.

A minha observação do território da Geórgia quis desvendar a rica arquitetura do país, então acho essencial apresentar o mosteiro-palácio-cavernas de Vardzia, algo incrível que foi construído pelos georgianos com o intuito de preservar a cultura e a sociedade do Reino da Geórgia. No séc. XII, o reino medieval sofria tentativas de invasões dos mongóis em suas terras, assim, em qualquer incursão do inimigo, esse local abrigaria até 30 mil georgianos que não seriam alvos dos ataques dos mongóis.

O suntuoso mosteiro-palácio-cavernas de Vardzia.

Foto do site: https://br.pinterest.com/pin/222928250280969654/.

A Rainha Tamar foi quem ordenou a construção da obra, que foi inaugurada em 1185. Vardzia é um suntuoso patrimônio arquitetônico que salvaguardou seus súditos, tendo a capacidade de abrigar milhares de georgianos nos meandros desse enorme mosteiro em cavernas escavadas na encosta de uma montanha. Na época de sua inauguração, Vardzia era composta por 6 mil salas, 25 adegas e algumas igrejas, além da sala do trono da Rainha. Vislumbre neste vídeo:

Realmente Vardzia é uma construção fantástica, mas, infelizmente, em 1283, um terremoto violento destruiu grande parte da edificação, reduzindo-a a trezentas salas. Hoje alguns monges bem zelosos mantêm viva a ideia da Rainha Tamar, de que o povo georgiano era forte e capaz de criar uma obra que os salvaria da dizimação. Mesmo que depois da regência da Rainha Tamar parte do povo tenha sido massacrada pela fúria do invasor mongol, o período da Era de Ouro da Geórgia deixou ao mundo uma obra extraordinária: Vardzia.

A Igreja da Dormição de Maria foi construída em Vardzia, a pedido da Rainha Tamar.

Foto do site: https://www.pixelchrome.com/media/618bb2f7-3aab-46f0-8a53-0e5cfce84657-interior-of-the-church-of-the-vardzia-cave-monastery.

Os mongóis ocuparam o Reino da Geórgia por um século, de 1225 até 1327, quando foram expulsos pelo Rei George V, que vinha a ser tataraneto da Rainha Tamar. Ele restaurou a unidade da Geórgia após cem anos de dominação e restabeleceu a cultura georgiana cristã.

A Rainha Tamar, cujo reinado se deu entre 1184 e 1213, foi a primeira mulher a governar a Geórgia.

Foto do site: https://www.pinterest.es/pin/652529433503786645/.

A Geórgia tem muitas pérolas da arquitetura que não couberam aqui neste espaço, mas, caso queira conhecer melhor esse belo país, posso dar mais dicas e orientações, escreva-me no espaço para comentários. Pensei em retornar em 2020. Mas acho que vou ser obrigado a adiar para 2021. Vamos???

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22 thoughts on “Geórgia e sua reveladora arquitetura”

    1. Magaly, querida amiga e seguidora do blog. Fico feliz que tenha gostado desse post, pois a Geórgia é incrível, espero voltar em 2022. Um país incrível com um povo muito agradável e hospitaleiro. Você leu os outros posts??? Na quinta-feira, dia 8 de julho vou postar um texto novo de Tbilisi atualizado, com mais histórias e fotos. Aguarde!!!!

  1. Parabéns pela excelente redação e riqueza de detalhes. Fiquei sabendo da Geórgia através de um documentário e fiquei muito curiosa, agora estou mais apaixonada ainda. Está na minha lista de desejos… Espero conhecer em breve 🥰. Adorei as fotos, sou fã de arquitetura antiga e curti cada detalhe, show!!!

    1. Janice, nova seguidora de minhas viagens. Creio que você vai gostar muito da Geórgia, eu fiquei encantado. Se quiser conhecer mais desse belo e sedutor país, leia os outros posts que estão no blog. Vá em Boas Dicas e abra o país. Obrigado pelo seu comentário. Fiquei feliz de ter curtido os detalhes da arquitetura georgiana.

  2. Gostei demais da riqueza do texto e das belas fotos que ilustram a matéria! Ficou muito bom aquele mosaico de balcões! Fascinante!
    A vontade de conhecer a Georgia só aumentou lendo a matéria. Parabéns!

    1. Jorge, um novo seguidor. Que bom que você gostou, já pensou em conhecer a Geórgia?? Eu fiquei apaixonado pela Geórgia e saiba que foi difícil escrever sobre esse país mostrando algumas mazelas, pois o meu objetivo era que os seguidores entendessem que o olhar de um geógrafo é diferente de outros olhares. Agradeço o seu comentário.

    1. Adilson, um seguidor desde Paris. Que bom que você gostou, já pensou em conhecer a Geórgia ou será que já conhece?? Eu fiquei apaixonado pela Geórgia e saiba que foi difícil escrever sobre esse país mostrando algumas mazelas, pois o meu objetivo era que os seguidores entendessem que o olhar de um geógrafo é diferente de outros olhares. Agradeço o seu comentário.

  3. Não fazia ideia da beleza arquitetônica deste país. Terras distantes das quais pouco ou nada conhecemos. Valeu Ronaldo. Ótimo conteúdo.

    1. Amigo Paulinho, você sabia da minha paixão pela Geórgia? É um país muito interessante com um povo muito hospitaleiro, mesmo falando uma língua difícil. Se você não sabe eu já escrevi mais cinco textos da Geórgia. Obrigado.

  4. Mais uma vez você me proporcionou uma inesperada e incrível viagem. Quanto aprendizado em seu relato. Seu amor pela Geórgia é contagiante.

    1. Querida Edna, o seu comentário me emocionou muito, pois quero que não somente você, mas todos os seguidores, entendam e percebam que o meu objetivo com o blog é provocar em cada um essa satisfação ao viajar ao território descrito. Fiquei muito feliz que você tenha gostado e agora você entende melhor o motivo de minha paixão por esse país. Amo a simplicidade e a pureza dos detalhes de cada casa, cada mosteiro e cada lugar. Obrigado.

  5. Muito interessante o seu olhar. Percebe-se existiu uma certa abastança que justificou esse patrimônio arquitetônico de diferentes períodos. Embora, vc mostre casos em que não estão muito bem conservados, os que são considerados mais simples com rachaduras, também mostram que o nível de qualidade construtiva foi muito bom. A alvenaria de tijolos aparentes e a sofisticada escadaria externa são exemplos disso. No geral, o que é mais importante no meu entendimento é que a delicadeza e harmonia na implantação na paisagem parece que ainda permanecem. Coisa rara de se ver hoje! Dentre os prédios mais novos, mesmo que de forma muito sutil, quase disfarçada, parece que já tentam uma linguagem international ou estranha ao lugar. Mas sem perder a delicadeza como nos mais antigos. Enfim, o que parece é que vale muito a pena ver de perto.

    1. Minha querida arquiteta Marilene, seu comentário é perfeito e gostaria que muitos pudessem ler para sentir melhor qual foi o meu objetivo a escrever este post. Mas saiba que foi difícil escrever sobre esse país mostrando algumas mazelas, pois o meu objetivo era que os seguidores entendessem que o olhar de um geógrafo é diferente de outros olhares. Obrigado!!!!

  6. Parabéns pelo seu relato. É contagiante. Fiquei maravilhada com a arquitetura, mas também com a história desse país. Quem sabe o inesperado aconteça!! Bjs

    1. Querida amiga Isabel o seu comentário me emocionou muito, pois quero que não somente você, mas todos os seguidores, entendam e percebam que o meu objetivo com o blog é provocar em cada um essa satisfação ao viajar ao território descrito. Fiquei muito feliz que você tenha gostado. Obrigado.

    1. Amiga Ana Célia, você sabe da minha paixão pela Geórgia. Mas saiba que foi difícil escrever sobre esse país mostrando algumas mazelas, pois o meu objetivo era que os seguidores entendessem que o olhar de um geógrafo é diferente de outros olhares. Você como geógrafa sabe. Obrigado.

    1. Tãnia, que bom que você gostou do post, pois foi difícil escrever sobre a Geórgia e mostrar algumas mazelas, pois eu queria que os seguidores entendessem que o olhar de um geógrafo é diferente de outros olhares. Obrigado.

    1. Meu amigão e geógrafo Bruno. Você sabe que este texto foi inspecionado por outros amigos, dentre eles você. Bruno, Vardzia é incrível e tive muita vontade de conhecer, mas já li que é uma opção difícil para pessoas com dificuldades de transitar, pois as passagens internas são baixas e estreitas e às vezes a pessoa tem que rastejar. Não sei se consigo. O mais incrível é que Vardzia está ligada a uma rainha importante na História mundial, li que ela está entre as dez rainhas que se destacam no Mundo. Obrigado.

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